Metas na área de segurança alimentar para o Brasil Sem Miséria

NBR ENTREVISTA 02.06.11: Entrevista realizada no Palácio do Planalto, durante o lançamento do plano Brasil Sem Miséria. A entrevistada é a Secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Maya Takagi.

 

Publicado em 07/06/2011, em SEGURANÇA ALIMENTAR e marcado como , , , , , , , , , . Adicione o link aos favoritos. 3 Comentários.

  1. GERALDO A. LOBATO FRANCO

    Olá. Não vejo nem sinto consistência suficientes nesse programa, haja visto o “modelo” descrito da construção de sisternas; tal modelo existe e já foi testado de diversas maneiras e já faz muito tempo.
    Porque então só agora colocado em uso em termos gerais e de consumo de massa? Porque só agora é feita publicidade dele?
    Qualquer pessoa que se dedique a conhecer e implementar as Tecnologias Apropriadas sabe disso, porque mesmo que não se que conheça ao certo onde e quanto irá chover, a água (de chuva) existe no semi-deserto; no entanto ela não é nem captada nem conservada como deveria. Exceto se cai encima dos reservatórios que já existem e que pertencem a grandes proprietários, fato notório na região, vista como um todo.
    Mas, não me digam que doravante isso vai acontecer na medida exata que deveria: vai chover encima das caixas d’água do programa! Isso não acredito. Me chamem de Tomé, o do “ver para crer”.
    Tive um amigo que fazia frequentes às vezes longas viagens aos vilarejos de diversos estados do NE, por razão do trabalho de campo que gerenciava. Isso faz já algum tempo mas creio que a coisa não tenha mudado.
    Me dizia: “Do alto, antes de chegar à terra, vc sabe aonde mora o Prefeito — é onde está a maior piscina!”
    Creio que isso explique, mesmo se no geral e por certo, obliquamente, bastante bem a situação.
    O problema é local e localizado. Resta às pessoas das diversas municipalidades entenderem o que se passa no real e tomar decisões sobre as suas vidas: ou sobrevivemos humanamente bem ou migramos pra São Paulo.
    Aí vai a pergunta: que resposta tem sido a mais fácil para essa questão, desde há muito tempo?
    Então, temos no nosso “Deserto fértil” como dizia Helder Câmara no título de um de seus livros, uma realidade que nela não se quer acreditar e que vira facilmente motivo de politicagens baratas e de sumidouro de fundos e divisas.
    Espero que este não seja mais um deles.

    • Em reposta aos apontamentos feitos acima por Geraldo A. Lobato Franco, gostaria de tecer algumas considerações.

      Não quero ser nem parecer agressivo, mas estou cansado de ver tantos atacando o serviço público, sem levar em conta o que ele tem de bom, ou de observar que suas mazelas são muito mais as mazelas dos governantes, os quais vivem adotando políticas inadequadas para criar/manter a qualidade que todos esperamos. Vale começar anotando que já tive a oportunidade de visitar pessoalmente muitas famílias situadas no “semi-deserto” ao qual o articulista se refere, e pude constatar os benefícios positivos que o Programa proporciona para estas. Falo em meu nome e no nome de um enorme contingente de servidores que são competentes, honestos, produtivos e trabalham para a construção de um país melhor e mais justo.

      Não sei até onde vai o conhecimento desse articulista acerca dos avanços e resultados obtidos com o sucesso da implementação do Programa Cisternas no semi-árido, no entanto é válido ressaltar que políticos oligarcas sempre usaram e abusaram da falta de distribuição da água, garantindo o malfadado voto de cabresto, isto é, o controle do voto para dominar politicamente a região. Tradicionalmente, eles sempre definiram o local de construção de barragens, açudes e a distribuição da água através de carros-pipas, nas secas.
      Pelo que se pode constatar, este Programa em parceria com os Estados, Municípios e OSCIPs está desestruturando esta política de controle da água no Nordeste, o que consequentemente está promovendo o desenvolvimento social, econômico político e cultural da região, além do fim do voto de cabresto e a democratização de acesso à água de qualidade para a região.

      Na interpretação do articulista, as coisas não estão mudando e pela sua descrição, os maiores beneficiários desta ação são servidores ocupantes de cargos nomeados em comissão ou eleitos pelo voto popular. As coisas não são bem assim. É preciso desconhecer a situação do mundo e do país para dizer que as referidas ações não estão avançando e contribuindo na melhoria de vidas.
      É claro que não podemos negar que a corrupção é algo notório na política brasileira, porém, não devemos abandonar as boas bandeiras apenas por estarem em mãos erradas. O caminho para combater os problemas anotados (hospitais e escolas públicas caindo aos pedaços e empobrecimento geral) não é desacreditar/piorar o serviço público, mas o contrário. Não é o único caminho, mas faz parte do conjunto de medidas que irá mudar a realidade.

      Se o serviço público é mal remunerado, desprestigiado etc., ninguém irá sonhar/desejar/querer fazer parte dele, e a tendência é que os problemas citados sejam maiores, ou pela incompetência/desinteresse/falta de servidores e em boa parte, da falta de uma boa burocracia, da falta de inteligência/competência no serviço público.
      Um dos depoimentos das famílias atendidas pelo programa (disponível no site da Asa – http://www.asabrasil.org.br) deixa claro o significado dessa iniciativa:
      “Era muito difícil aqui. No período da estiagem a gente passou muitas dificuldades pra lavar roupa, tomar banho e até mesmo pra beber. E, agora, com a cisterna, facilitou tudo. Antes, a gente procurava os riachos, uma água de péssima qualidade. Por causa dessa água, não só os filhos meus, mas na comunidade, as crianças adoeciam desse negócio de diarréia, vermes, essas coisas aí. Antes da cisterna, quem ia buscar água era eu e meu marido. Inclusive, ele tem um problema de saúde por conta disso, né? Ele tem hérnia de disco, por causa desses tambores pesados. Agora, a gente não precisa mais ir buscar água. O tempo que sobra tem agora o roçado, os bichos e os trabalhos de casa. As crianças que ajudavam também a pegar água, ficam mais livres pra escola. (…) A gente economiza e continua economizando porque a água é tudo. Sem comida a gente pode até passar, mas sem água não. (Antônia Guilhermina Dias da Silva, Manguape – Paraíba).

      Ao contrário do que sustenta o articulista, no semiárido, quase sempre, é tratado como inviável, ou seja, como lugar que não serve para nada e seu povo como incapaz. Na realidade, nem o semiárido é inviável nem seu povo é incapaz. O que ocorre é que durante muito tempo e, em muitos casos, ainda nos dias de hoje, as únicas políticas oficiais destinadas à região foram aquelas denominadas de “combate à seca”.

      São políticas que estavam e estão voltadas para grandes obras, normalmente destinados a assistir aos mais ricos e que vinham unidas a processos assistencialistas, voltados para os mais pobres, como doações, esmolas, distribuição de víveres, carros-pipa e processos semelhantes. Estas políticas nunca tiveram e não têm interesse de resolver as questões e os problemas. As ações de combate à seca sempre aparecem como “atos de bondade”,mas propositalmente são criadas e mantidas para garantir que o semiárido e seu povo permaneçam sem vez e sem voz, dependentes.Como se sabe, essas políticas, normalmente são ligadas ao voto e mantêm no poder as mesmas pessoas e grupos oligárquicos, através da compra de votos.Assim, através de doações e políticas assistencialistas não voltadas para resolver os problemas do povo do semiárido, sempre foi mantida e favorecida a concentração da terra nos latifúndios, nos grandes projetos do agronegócio, nas grandes fazendas de gado.Enquanto isso, “muitos agricultores e agricultoras ainda trabalham em terras alheias ou em minifúndios super-explorados, fragilizando sua própria segurança alimentar”

      De igual modo, durante muitos anos foram construídos muitos poços e açudes no
      semiárido, mas em terras dos ricos e dos fazendeiros. Por isso, em cada seca ocorrida, os ricos permaneciam mais ricos, possuidores e concentradores de mais água em suas terras com mais terra e com mais poder. E os mais pobres, ou migravam ou ficavam mais miseráveis. Há ainda outras ações que intensificam os problemas do semiárido. É a educação que é dada nas escolas, aos filhos e filhas dos agricultores. Quase sempre é uma educação descontextualizada, que coloca na cabeça das crianças a mentalidade de que na roça, na área rural e no semiárido não há possibilidade de vida. Pelo que se estuda debate, lê e se faz em muitas escolas, conclui-se que quem quer viver bem e dignamente não deveria seguir a trilha e a história dos próprios pais e antepassados, mas sim, migrar do semiárido. Permanecer no semiárido não seria uma ação inteligente, pois ali não há possibilidade de vida digna. Toda essa problemática é perpassada, de modo cruel, por uma marginalização das mulheres e, por conseguinte, pela ausência de um debate de gênero.

      Quem vive no semiárido e, quem estuda o seu povo, encontra, ao invés de um povo incapaz, pessoas lutadoras, criativas, fortes, resistentes, esperançosas e solidárias. Encontra centenas e centenas de experiências através das quais o povo se manteve vivo e forte. Nelas se verifica de modo inequívoco que o homem e a mulher do semiárido são grandes produtores de conhecimento para conviver com sua região. Prova disso é que, por mais políticas malfazejas que se tenha projetado e se projete para o semiárido e apesar de tudo que se faz contra ele, o povo continua vivo, de pé, lutando pela vida e por seus direitos.

      Neste sentido, no intuito de buscar saídas, a construção de cisternas (reservatório de águas pluviais) para equipar a população com esta tecnologia social, traz uma solução definitiva ao abastecimento de água de beber e de cozinhar para essas famílias.

  2. Naidison Baptista - Presidente da AP1MC

    Provocado pelas reflexões de Geraldo A. Lobato Franco, e motivado pela resposta de Bruno Malaquias, destaco:

    1. A água é fator primordial para a vida e para a segurança alimentar das pessoas, estejam elas no Semiárido ou em quaisquer outras regiões deste País. Assim se pronunciam as II e III Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional, entre outros decretos e documentos oficiais de âmbito nacional e estaduais. No Semiárido, essa máxima assume uma dimensão toda especial, dado que este direito sempre foi negado à sua população. Um exemplo são os grandes reservatórios (açudes, barragens, represas), que eram construídos com dinheiro público, em propriedades privadas dos ‘coronéis’, aumentando o patrimônio destes, que assim passavam a concentrar mais poder e condicionar a exploração da terra e o uso da água à troca de favores e votos, numa relação desleal e desvantajosa para a população que já excluída, passa a sê-lo mais ainda.

    2. A nossa região Semiárida tem uma média pluviométrica a qual indica que é uma das áreas semiáridas mais chuvosas do mundo, com uma pluviosidade entre 450 a 700 mm/ano. Assim, não pode ser a mesma dita como ‘sem água’. Essa é na verdade uma região que precisa de políticas de descentralização da água (assim como da terra) para que as famílias possam viver e produzir, sem se submeterem à política dos carros-pipa e das esmolas.

    3. É nesse contexto que a sociedade civil organizada, há anos, vem lutando pela garantia do direito à água para consumo humano e produção de alimentos, valorizando a agricultura familiar e o conhecimento popular gerado por essa população. Foi também nessa linha e também por acreditar que o papel da sociedade civil consiste em propor, fazer o controle social e executar políticas que, em 2003, a ASA propôs ao Governo Federal o Programa Um Milhão de Cisternas Rurais, mais conhecido como P1MC.

    4. A cisterna, mais do que captar água, funciona como um elemento agregador de vários anseios das famílias do Semiárido. Ela possibilita que cada família seja ‘dona’ da sua água e, com isso, sinta-se independente, autônoma e livre para, inclusive, buscar outras formas de convivência com a região. Atualmente, são quase 400 mil cisternas, espalhadas por todo Semiárido, beneficiando aproximadamente 2 milhões de pessoas. Essa é a verdadeira descentralização da água! Com isso, tornar a cisterna, como outras tecnologias de captação de água de chuva, uma política pública na amplitude proposta pelo Governo Dilma é um reconhecimento de sua eficácia e, mais que isso, um grande avanço em termos de políticas para o Semiárido.

    5. Não se trata, por conseguinte, de ter descoberto a cisterna nesses dias ou saber que ela vem de outros tempos ou mesmo de outros povos. O que é marcante, forte e significativo é a política que se construiu com as cisternas. Política estruturante de dotar cada família pobre do Semiárido de meios suficientes e eficientes para captar a água da chuva e utilizá-la para uso domestico e para fins de produção, garantindo a segurança alimentar e nutricional dessa população. Esta política, extremamente democrática, conseguiu construir a maior rede de distribuição de água para populações esparsas de que temos notícia no Semiárido e quiçá no Brasil.

    6. Não debatemos, assim, a tecnologia em si, mas a coragem do Governo Lula de encampar esta proposta da sociedade civil e dela fazer uma política e, assim, servir eficientemente à vida do povo do Semiárido. Debatemos a coragem do Governo Dilma de querer universalizar este direito a todo o Semiárido. Não tempos dúvida de que com a água vem a autonomia, a liberdade e a cidadania e, assim, diminuiremos ou eliminaremos, no Semiárido, a prática de trocar água por voto e dignidade. Esta semente, já lançada e dando bons frutos, há de germinar ainda mais e contribuir para um Semiárido onde todos tenham vez e voz.

    1. A ASA se sente orgulhosa de participar da construção deste caminho e, como já expressou em vários documentos oficiais, colocará a serviço desta proposta todas as suas forças.

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